Você anda sozinha/e/o pelas ruas do seu bairro despreocupadamente depois que anoitece?
Se a sua resposta foi SIM, saiba que você possui algum PRIVILÉGIO, tema do artigo de hoje que finaliza mais uma trilogia para o “Sermoré (palavra amiga) da Civisporã”. E olha que interessante essa trilogia: Privilégios (Cara a Cara) X Meritocracia (Vocação) = Realidade Social (Efeito Borboleta). Se você não leu os outros 2 textos que compõe essa trilogia, clique aqui e aqui.
Antes de mais nada, preciso explicar que o “privilégio” ao qual me refiro está relacionado às condições existentes dentro de cada um dos 8 grupos que nos definem como o ser humano que somos, na sociedade em que vivemos, que são:
· Gênero
· Classe social
· Orientação (ou condição) sexual
· Religião
· Idade
· Nacionalidade
· Habilidades (portador[a] de deficiência, ou não)
Se você é uma mulher cisgênero (termo usado para identificar indivíduos que se identificam com o gênero atribuído no nascimento) a possibilidade de você ter respondido NÃO à pergunta do início deste texto é muito maior em relação à resposta dada por um homem cisgênero, como eu. Isso significa que, em situações como a apresentada na pergunta inicial do artigo, homens cisgêneros possuem um privilégio em relação às mulheres, quando a questão é “caminhar sozinho pelas ruas do bairro despreocupadamente depois que anoitece”.
Mas veja que a situação pode se modificar caso o bairro em questão seja um condomínio fechado, onde não há violência nas ruas. Nesse caso, estaríamos incluindo o elemento “classe social”, onde pessoas de condições financeiras elevadas possuem um privilégio maior em relação a pessoas sem tais condições.
Imagine agora se o homem cisgênero possuir mais de 80 anos e a mulher cisgênero possuir 25. Quem você acredita que teria mais privilégios para caminhar a noite em um bairro de classe média repleto de calçadas mal cuidadas e cujos motoristas que transitam por lá desrespeitam a faixa de pedestres?
Aliás, sobre o grupo "Idade", pergunto a você quem tem mais privilégios na hora de “escalar” as escadas de acesso aos ônibus brasileiros: uma pessoa jovem alta, ou uma pessoa de idade avançada necessitada de bengala, por exemplo?
Consegue reparar que as nossas condições dentro de cada um desses 8 grupos nos privilegiam em diferentes momentos do nosso dia a dia, dentro da sociedade em que vivemos?
Pense agora qual o arquétipo (modelo possuidor de determinadas características) que mais possui privilégios na sua sociedade, baseado nas inúmeras possibilidades de combinações das condições desses 8 grupos:
· Branca, Preta (mais, aqui), Oriental, etc.
· Masc. Cis, Fem. Cis, Masc. Trans, Fem. Trans, Agênero, Gên. Fluido, etc.
· Bilionária, Milionária, Classe Média, Pobre, Miserável, etc.
· Heterossexualidade, Homossexualidade, Bissexualidade, etc. (mais, aqui)
· Cristianismo, Islamismo, Hinduísmo, etc.
· Adulta, Jovem Adulta, Adolescência, Infância, 3ª idade
· Americana (ou estadunidense - mais, aqui), Japonesa, Boliviana, Congolesa, etc.
· Sem incapacidade, com incapacidade, distúrbios ortopédicos, neurológicos, etc.
Optei em apresentar a condição mais privilegiada de cada um dos grupos em primeiro lugar para que fique mais fácil observar qual o Arquétipo mais privilegiado na sociedade global ocidentalizada em que vivemos: Masculino Cisgênero, Branco, Bilionário, Heterossexual, Cristão, Adulto, nascido nos Estados Unidos e Sem incapacidades (físicas/neurológicas).
Sugiro que você monte arquétipos com diferentes condições para cada grupo e faça comparações, mais ou menos como aquele jogo da Estrela “Cara a Cara”, imagem tema deste artigo (mais aqui), em determinadas situações e veja quem possui mais privilégios.
É lógico que em determinadas situações de sociedades não ocidentalizadas esse arquétipo não será o mais privilegiado. Por exemplo: Em um país muçulmano com sociedade contrária à cultura ocidental, a religião, a nacionalidade e a raça podem mudar, mas a probabilidade dos outros grupos se manterem com as mesmas condições mais privilegiadas se mantêm, como Homem Cis, Rico, Heterossexual, Adulto e Sem incapacidades. Mas, com certeza, o arquétipo
Mas o que isso tudo implica ao final?
Em primeiro lugar, pergunto quais são as expectativas de vida daqueles que possuem poucos privilégios, ou nem mesmo os possuem? Imagine você nascer em uma família preta da periferia (usei aqui somente um conceito de cada grupo, já que é o arquétipo mais comum dentro da sociedade brasileira). Vamos colocar outras características: Mulher cisgênero filha de mãe solteira com mais dois irmãos. Sua mãe trabalha como diarista de segunda a sábado. Deixou você e seus irmãos para serem cuidados por uma vizinha durante anos, não tem escolaridade completa e hoje, você estuda a noite porque precisa trabalhar como caixa de uma pequena mercearia do seu bairro durante o dia, onde recebe menos de um salário-mínimo para ajudar nas contas da casa (só o bujão de gás consome mais de 10% do seu salário). Quais são as mais prováveis perspectivas de vida para você? Saiba que essa tipo de realidade faz parte de uma imensa parte da população brasileira.
Se você leu o artigo VOCAÇÃO (link, aqui) e o artigo EFEITO BORBOLETA (link, aqui) acredito que você já tenha entendido que são esses privilégios que mantêm a nossa sociedade da forma que é, repleta de desigualdades que produzem TODO o tipo de violência, nos seus mais variados formatos, que interferem na vida de TODO mundo, inclusive você. Violência como guerras, homicídios, discriminações, abusos de poder, espancamentos, aliciamentos sexuais, abusos econômicos, corrupções... ixi, a lista é infinita (se você não leu, coloque na sua lista de leitura e analise comigo as situações que eu exponho nestes artigos).
Por isso é importante que lutemos cada vez mais por uma sociedade fraterna, solidária e libertária, onde o respeito seja a base REAL das nossas relações. Mas para isso acontecer é preciso que cada um de nós construa o hábito de se descontruir em relação a regras e costumes antiquados que estão enraizados no nosso modus operandi (forma de agir) e que são extremamente prejudiciais ao desenvolvimento da nossa sociedade.
E é com esse objetivo que a CIVISPORÃ desenvolve o seu trabalho, produzindo camisetas para nós, seres humanos, e nossos amigos peludos, com o propósito de conscientizar a população de que a sociedade atual é o resultado daquilo que somos no dia a dia, e de que nossas atitudes transformam a sociedade, positiva – ou negativamente.
Alguns dos textos estampados nas suas camisetas podem parecer um pouco duros, pois repreendem atitudes prejudiciais; outros apresentam um convite a juntar “lé com cré”; outros são motivacionais. Mas todos eles nos fazem pensar e possuem o mesmo objetivo: lembrar que somos nós que construímos o Brasil e que cabe a nós melhorar a nossa sociedade. Sociedade esta que se iniciou no encontro dos colonizadores portugueses com os nativos indígenas que aqui já viviam.
E é refletindo esse início do nosso país que está estampado o propósito fundamental da CIVISPORÃ:
CIVIS: Sociedade, em Latim.
PORÃ: Boa/m, bonita/o, melhor, em Tupi.
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